Num contexto de desinformação, é essencial repor a verdade com rigor técnico. Portugal tem sido um exemplo europeu na integração de energias renováveis no seu sistema elétrico. No entanto, após o apagão ibérico de 28 de abril, surgiram acusações precipitadas que apontam as renováveis como culpadas — sem base factual.
A verdade? O incidente resultou de falhas nos mecanismos de sincronização da rede elétrica europeia, e não da produção renovável. Este artigo analisa os dados disponíveis, desmonta mitos e reafirma o papel estratégico das renováveis para a autonomia e resiliência energética do país.
Assistimos nos últimos dias a um ataque brutal à produção de renováveis em Portugal. Jornalistas, comentadores e antigos dirigentes apressam-se a papaguear politiquices, apontando o dedo às energias renováveis como causa do apagão ibérico de 28 de abril. Mas a argumentação é frágil e desinformada.
Segundo as informações da REN e dos operadores espanhóis (REE) e franceses (RTE), o que falhou foram mecanismos de proteção e sincronização da rede elétrica europeia, levando a um desfasamento que acabou por provocar uma desconexão automática e generalizada [1][2].
Do ponto de vista da geração de eletricidade, Portugal é considerado um caso de sucesso europeu na integração de fontes renováveis, com estabilidade e segurança de abastecimento. Com frequência, mais de 60% da eletricidade consumida é proveniente de fontes renováveis, nomeadamente hídrica, eólica e solar [3]. E, como ficou demonstrado no próprio procedimento de black start ocorrido na segunda-feira, foi possível alimentar o país mesmo estando desligados da interligação com Espanha, provando a autonomia e resiliência do sistema.
Renováveis e tarifas: é preciso contexto
É verdade que, entre 2008 e 2014, os regimes de incentivo à micro e miniprodução foram suportados por tarifas bonificadas, como forma de impulsionar o desenvolvimento tecnológico e a maturação do setor:
- Para microprodutores (até 5,75 kW), a tarifa em 2008 foi de 650 €/MWh durante os primeiros 5 anos, com revisão para valores inferiores nos 10 anos seguintes, atingindo 165 €/MWh na sua última revisão. Atualmente o valor dos contratos em vigor é de 3€/MWh [4][5].
- Para miniprodutores (até 250 kW), em 2011 a tarifa começou nos 250 €/MWh, descendo progressivamente para 151 €/MWh em 2013. Atualmente o valor dos contratos em vigor é de 3€/MWh [4] [6].
Estes regimes foram extintos com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 153/2014, que reformulou completamente o setor. Desde então, a prioridade passou a ser o autoconsumo, permitindo que qualquer consumidor produza a sua própria eletricidade, utilizando-a localmente e vendendo apenas os excedentes à rede [7].
Para projetos até 1 MW, passou a ser possível vender energia diretamente à rede, sem tarifa bonificada:
- Ou através de leilões públicos, com preços competitivos;
- Ou ao preço de mercado, deduzido de 10% para perdas técnicas, mesmo que, na grande maioria dos casos, essas perdas sejam nulas por estarem junto aos locais de consumo.
Grandes centrais
Nos leilões mais recentes, para projetos acima de 1MW os valores atribuídos foram competitivos a nível mundial:
- Leilão de 2020: tarifa mínima atribuída de 11,14 €/MWh, para contrato de 15 anos [9].
- Leilão de 2019: valores médios entre 14 €/MWh e 20 €/MWh, também para contratos de longa duração [10].
Os promotores são responsáveis por construir todas as infraestruturas de ligação à Rede Elétrica de Serviço Público (RESP), assumindo os custos de interligação.
É verdade que muitos destes projetos de grande escala têm levantado preocupações em termos de ordenamento do território e impacto ambiental. A aposta futura deverá centrar-se na geração distribuída e no autoconsumo coletivo, mais resiliente e com menor pegada territorial.
Autonomia energética: os factos
Importa responder, com dados, à questão que muitos colocam: terá o encerramento das centrais a carvão em Sines e no Pego comprometido a autonomia energética de Portugal?
A resposta é não.
Durante o black start de 28 de abril, o país esteve desligado da interligação com Espanha e conseguiu restabelecer o fornecimento com os seus próprios recursos internos.
Antes do “apagão” Portugal apresentava uma taxa de autonomia de 84%, recorrendo às importações essencialmente com o objetivo de armazenar energia para posterior comercialização — prática que, aliás, foi observada no próprio dia até às 08h00. Importa ainda referir que o Gás Natural representava apenas 8,7 % do mix energético nessa altura.
[11] DATA HUB REN: Repartição da produção e Saldo Importador
A importação de energia é uma decisão económica, e não estrutural.
Adicionalmente, as centrais a carvão não são adequadas a procedimentos de black start. Este requer unidades que possam arrancar sem apoio externo — como centrais hidroelétricas com reservatório, turbinas a gás ou baterias.
Então, onde podemos melhorar?
Se queremos reforçar a resiliência do sistema face a eventos futuros, é necessário agir em várias frentes:
- Plano de emergência para falhas elétricas – que permita uma gestão coordenada do deslastre de cargas e serviços críticos;
- Reforço de centrais com contratos de black start – garantindo capacidade de recuperação autónoma;
- Definitivamente reforçar a interligação nos pireneus com a Europa Central, através de França;
- Estudo e implementação de uma interligação elétrica com Marrocos – diversificando ligações e aumentando resiliência.
As energias renováveis não são o problema — são parte essencial da solução energética, climática e estratégica de Portugal. Estamos no caminho certo, é importante reforçar a verdade técnica e não ceder a discursos oportunistas.
Para as empresas, isso significa reconhecer que uma gestão energética eficiente não é apenas uma questão ambiental, mas também uma oportunidade estratégica. A Advanced Way apoia a sua organização a transformar energia em vantagem competitiva.
[1] REN – Comunicado técnico sobre a falha de 28 de abril de 2025.
[2] Red Eléctrica Española (REE) – Comunicado oficial, abril 2025.
[3] DGEG – Estatísticas Rápidas da Energia (2023).
[4] DGEG – Guia de Enquadramento do regime de microprodução, 2008.
[5] DGEG – Tarifas de referência para microprodução, 2013-2014.
[6] DGEG – Tarifas e legislação sobre miniprodução, 2011-2013.
[7] Decreto-Lei n.º 153/2014 de 20 de outubro – Regime jurídico do autoconsumo.
[8] ERSE – Regras de acesso às redes e compensações por perdas.
[9] Ministério do Ambiente – Resultados do leilão solar de 2020.
[10] PV Magazine – “Portugal achieves record-low solar tariff”, 2020.
[11] Repartição da produção por fonte primária – Datahub da REN.

